Direito à Proteção da Infância e o Princípio da Igualdade
Direito à Proteção da Infância e o Princípio da Igualdade
Introdução
Por si só, a definição de criança à luz da Convenção sobre os Direitos da Criança permite logo numa primeira análise estabelecer uma relação entre os Direitos das crianças, o Direito à proteção da infância que impõe ao Estado e à sociedade um dever ser de “guardiões” do ser humano enquanto indivíduo no início da jornada da vida. Na definição supracitada, destaca-se na premissa de um tratamento diferenciador no que respeita à lei dos Estados Partes desta Convenção, ou seja a presença do princípio da igualdade que este relatório procurará estabelecer a análise e a relação ao Direito-direito-garantia que a própria Constituição da República Portuguesa transpõe, por via da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a aceitação das normas e os princípios de direito internacional no nosso Ordenamento Jurídico-Constitucional nos termos do artigo 8º da Constituição.
Este relatório pretende, portanto, analisar em sede do regime especial dos direitos, liberdades e garantias dirige-se o foco para o Título III da Parte I da Constituição da República Portuguesa (que doravante se abreviará na sigla: CRP), quanto aos «Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais»: o artigo 69º, «Infância» que se consagra no Capítulo II em sede de “Direitos e Deveres Sociais”.
Para a prossecução da análise deste trabalho, contextualiza-se de forma genérica a matéria lecionada no âmbito da unidade curricular dos direitos fundamentais. De forma a tornar este tema de vasta e complexa compreensão e apreensão por se confundir por diversas vezes com um direito humano e não como uma garantia fundamental do Estado. Desenvolverei assim, os temas: Direito à Infância e o Princípio da Igualdade, visando uma clarificação e simplificação.
1. Dos direitos fundamentais
1.1 Os Direitos humanos
É importante que em sede da unidade curricular dos Direitos Fundamentais, se distinga os direitos humanos são inerentes ao indivíduo, que lhe são próprios, deste modo o Estado limita-se a reconhecer esses direitos, não podendo conceder a atribuição, porque são “essenciais ou determinantes” da pessoa como um ser. Estabelecendo-se por diversas vezes a relação desses direitos (humanos), com princípios, como exemplo o direito à vida com o princípio da dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos, consistem portanto, numa conceção de proteção que na esfera constitucional.
O Direito à Infância, não se enquadra em sede de direito humano, pois que, o direito à vida de uma criança vem desde logo supra-positivado no artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (doravante DUDH) que diz que “todo o indivíduo tem direito à vida…” A transposição para o Ordenamento Jurídico-Constitucional figura desde logo para o plano garantísta do Estado em assegurar aquele direito fundamental tutelado pelos princípios da universalidade (artigo 12º da CRP) e da dignidade da pessoa humana (preceituado logo no artigo 1º da CRP).
1.2 Os direitos fundamentais
Os direitos fundamentais “são as posições jurídicas ativas das pessoas integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao Estado-Poder positivadas na Constituição” (Gouveia, 2016: p. 930). Tendo em conta os elementos subjetivo, objetivo e formal que constituem esse direito, a distinção destes direitos (fundamentais) que interessa ao nosso estudo, incide no elemento formal que os positiva num patamar máximo da Ordem Jurídica do Estado, subordinando-se Título III, que lhe corresponde o Capítulo II, dos “direitos e deveres sociais”. A classificação dos direitos formais que, o professor Jorge Bacelar Gouveia distingue por um conjunto de “grupos classificatórios”, apraz o nosso foco para as classificações regimentais que separa os direitos económicos, sociais e culturais, numa acessão de menor força jurídico-constitucional, face aos direitos, liberdades e garantias.
O artigo 9º da CRP, ilustra o sentido garantístico institucional, aludindo à sua alínea a) em que cumpre ao Estado criar as condições sociais para a prossecução do direito à infância. Assim permite estabelecer a fundamentalização formal da tarefa do Estado em prol do disposto no nº2 do artigo 25 da DUDH, em que “a maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Tornando claro a posição cimeira do artigo 9º no Orenamento Jurídico-Constitucional, assim como o disposto na alínea a) que se pretende destacar. Vale a ressalva de que o disposto no artigo 69º da CRP se tratar de impor limites ao Estado.
Reconhece-se que as instituições de cariz social e económica, no que respeita às garantias institucionais assumem uma dimensão objetiva, pela imposição de um dever de as defender ao poder público.
Ainda no âmbito da fundamentalização formal observa-se que o direito à infância se enquadra nos termos da alínea d) do artigo 288º da CRP, no que diz respeito aos à garantia de proteção do desenvolvimento das crianças, à garantia de prosseguir a criação de condições fundamentais que promovam o supra desenvolvimento.
Esta fundamentalização enquadra também a competência legislativa que é exclusiva da Assembleia da República, que nos termos do artigo 165º, no número 1 pode autorizar o Governo a legislar o preceito disposto na alínea b).
1.3 O desenvolvimento dos direitos fundamentais
Como bem se sabe, é com a Revolução Constitucionalista e Liberal que são concebidos os direitos fundamentais, que pela novidade histórica que representavam para a época, definindo-se os mesmos de fundamento jusracionalismo, numa acessão aos direitos humanos (conforme definido acima); os de feição negativa; os de força constitucional, que se positivariam nas Leis Fundamentais dos Estados e; os direitos fundamentais de face individual que a doutrina do liberalismo representaria uma necessidade de proteção em virtude do poder público. Esta última perceção que me permite aludir à génese do direito fundamental à infância, que só mais tarde se refletiria com a devida importância quer na sociedade portuguesa, quer no seu Ordenamento Jurídico.
Os séculos XIX e XX, são os que permitem periodificar os direitos fundamentais que se alterariam pelas transformações do Liberalismo económico em convencionalismo social keynesiano; o Nacionalismo em virtude o desenvolvimento das relações internacionais que marcaram o século XX; ao individualismo que daria lugar ao solidarismo .
Com efeito, cumpre apresentar a evolução dos direitos fundamentais nos seguintes períodos: o liberal que se consagra como foi visto na unidade curricular dos Direitos Fundamentais que sugere uma primeira geração, ou dimensão desses mesmos direitos fundamentais, desde logo com a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que reconhecia ao indivíduo um elenco de direitos que lhe são próprios (direitos humanos) e devem ser respeitados pelo Estado, assim se observa a implementação e a afirmação dos direitos fundamentais na construção dos primeiros textos de cunho Constitucional, que incumbe o Estado tanto de os garantir como de os proteger.
A periodificação sugere ainda dois períodos de apreciação dos direitos fundamentais:
- temos o período social que se consubstancia na segunda geração de direitos fundamentais que afirma como o alargamento dos fins do Estado, que se traduz na proteção de natureza social em virtude dos direitos económicos, sociais e culturais. Norberto Bobbio alude na pretensão de estabelecer uma igualdade que de acordo com este autor estariam em causa em virtude dos excessivos usos das liberdades individuais. Deste modo se verifica o Estado a assumir o dever ser de agir no sentido de assegurar esses mesmos “direitos em plena igualdade, reduzindo as desigualdades sociais e humanas que possam afetar a dignidade humana”.
- temos por fim o período cultural que se traduz na terceira geração de direitos fundamentais que resultam no aparecimento de novos direitos fundamentais, que derivam de “uma preocupação de solidariedade, sendo geralmente difusos, ou seja, de titularidade coletiva”. Quer isto dizer que a titularidade corresponde a grupos de indivíduos, que, porém, são comuns a toda a humanidade.
Cumpre finalmente, em sede deste ponto 1. aludir à existência de uma quarta geração de direitos fundamentais resultante dos novos conceitos que se desenvolvem na atualidade que a este relatório apraz a alusão do professor Pedro Trovão do Rosário à herança genética, ao património genético, que a observo como relacionáveis com o direito das crianças e correspondente proteção para proteger ou consagrar a humanidade.
A existência da quinta geração dos direitos fundamentais que se pronuncia logo no preâmbulo da DUDH destaca o Direito à paz que o reconhece, assinalando-se a comemoração dos 71 anos daquela Declaração.
2. Os Princípios
2.1 Os princípios no sentido constitucional
A Ordem Constitucional consagra numa perspetiva profunda os princípios jurídico-constitucionais e as normas jurídico constitucionais (sendo o primeiro o objeto do relatório). Deste modo apraz citar do Professor Bacelar Gouveia que, os “princípios constitucionais traduzem indicações de dever-ser, que se impõe aos destinatários do Direito Constitucional…”, desde modo os princípios transmitem muito para além das normas jurídico-constitucionais, limitando-se a orientar na prossecução dos fins que são objeto da Ordem Constitucional. A orientação que as normas nos sugerem permitem identificar as diferentes intensidades de princípios como bem identifica o “Manual de Direito Constitucional”: a coexistência com princípios contrários; podem ser aplicados sob diferentes velocidades, como sugere o Autor; bem como a relação que estabelece com as normas constitucionais.
Apraz a alusão específica aos princípios constitucionais sociais, económicos, políticos e garantísticos que expressão orientações para cada área em relevância para a Ordem Constitucional, que para a esfera do relatório se configura o princípio da igualdade estabelecedor de uma ligação ao direito fundamental de proteção às crianças que é o objeto do nosso estudo em sede garantística do Estado de Direito.
2.2 O Princípio da Igualdade
O princípio da igualdade impõe um tratamento igual ao que é igual na justa medida da sua igualdade e por desigual na justa medida da desigualdade, tal se ilustra incisivamente artigo 69º da CRP, bem como nos artigos seguintes, em virtude de se tratarem de reconhecidos aspetos de certos nichos de indivíduos que compõe a sociedade.
O princípio supramencionado assume, uma essência negativa, uma essência proibitiva, que podemos desde logo encontrar, artigo 13º da CRP que consagra o princípio da igualdade na nossa Ordem Constitucional, o seu número 2 dispõe de uma diversidade de índices que, a priori, suspeitas de serem reconhecidamente factos discriminatórios, o legislador, para que o intérprete-aplicador possa fundar o tratamento diferenciado, negativo ou positivo, que se dimensiona quando a norma jurídica é o instrumento que permite ultrapassar situações de desigualdade injustificada ou arbitrária como acontece face ao género (sexo), ou o tratamento jurídico diferenciado que é conferido aos menores.
3. O Direito à Proteção da Infância e o Princípio da Igualdade
Este relatório incide, sobretudo, no tratamento desigual que é conferido às crianças e com o contra sensu que se evidência que toda a criança é todo o ser humano menor de 18 anos, que desde um primeiro momento a nossa legislação transmite uma perspetiva desigual no tratamento do menor em sede do ramo do Direito Civil, que consagra ao abrigo do Código Civil (doravante CC), nos termos do artigo 122º, define que um menor é “quem ainda não tiver completado dezoito anos de idade”. Define-se, portanto, num regime de proteção do usufruto dos seus direitos em sede civilística vulnerabilidade da criança face às arbitrariedades dos demais elementos da sociedade que compõe, afasta de um certo modo a possibilidade, por exemplo de o direito à herança por parte de um menor possa ser em causa por outrem em virtude da incapacidade do exercício de direitos que são alheios à criança.
Como bem ilustra, na Teoria Geral do Direito Civil, à luz da incapacidade dos menores, o professor Pinto Monteiro, abrange todos os demais negócios, sejam eles de natureza pessoal ou patrimonial. O autor transmite que a maioridade aos 18 anos, se estar a superar e a acelerar, que conduz a um maior dinamismo por parte da restante sociedade que se desenvolve, seja a nível da tecnologia, do nível educacional, a forma como o mundo se movimenta e desenvolve nesta nova era, traduz num acelerar da maturidade e independência dos jovens nos dias que correm. Permite observar que diversas condutas que o Estado cria na prossecução do desenvolvimento das crianças, por via desse aceleramento da maturidade nos jovens conduza a uma mais eficaz valoração do tratamento igual a todos, na promoção do seu bem-estar económico, social e cultural.
A prossecução do desenvolvimento integral incute também a necessidade de o Estado promover todas as medidas, que considere necessárias para evitar todas as formas de abandono às crianças, com efeito é nesse âmbito que está definido no Código Civil um conjunto de disposições que conferem a proteção, responsabilização e devido sancionamento, como se pode observar quanto ao Poder paternal dispoto no artigo 1878º nº1, relativamente aos pais, em virtude do superior interesse dos filhos. A Tutela que visa suprir o poder paternal, que se verifica nos termos do artigo 1921º do CC, que enumera um conjunto de preceitos que visam o superior interesse da criança. As circunstâncias acima mencionadas, configuram uma alusão à de, no intuito de proteção da criança, a lei permite que a gestão de bens ou valores do menor sejam confiados ao poder paternal, e à tutela, para que os administrem. Assim, em certos casos parece que a lei se desequilibra como se verifica na observação Direito Civil e do Direito Penal.
Questiona-se assim, se o menor não pode ser administrador dos seus bens porque é que a lei lhe pode conferir uma pena?
Tomo de exemplo para ilustrar presença do princípio da igualdade, numa ótica de tratamento diferenciador, na esfera do Direito Penal, que confere no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, no nº 2 do seu artigo 1º “é considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos”. Que torna visível num ponto de vista do Direito Comparado, em que o tratamento especial que a lei portuguesa se pronuncia em relação aos 16 anos de idade, quanto ao que diz o artigo 1601º, al. a), “a idade inferior a 16 anos”, é impedimento dirimente do casamento, a que se subsume uma ficção legal conforme às regras da norma jurídica.
Um assunto que pretendo destacar neste relatório, dirige-se, no regime diferenciador de tratamento desigual na justa medida em que uma criança, na circunstância de separação dos seus pais (separação judicial de pessoas e bens), na orla do Direito Civil, observa-se diversas disposições de cariz desigual, que confere uma maior confiabilidade das responsabilidades parentais à mãe, que normalmente é com quem reside. Neste relatório pretendo no entanto aludir à circunstância do direito fundamental da criança se sentir acolhida equilibradamente por ambos os progenitores. Não será esse um direito seu? Não será esse um dever ser dos pais em prosseguir o superior interesse da criança? Estas questões, creio que devam ser levadas a lume, para que como se observa em sede de competência exclusiva da Assembleia da República legislar nos termos da alínea m), nº1 do artigo 165º da Constituição Portuguesa, salvo autorização ao governo, o “regime dos planos económico e social…” que se encontra atualmente em discussão para a aprovação de uma jurisprudência que permita os juízes mutatis mutandis proferir sentença, no sentido de o exercício das responsabilidades em caso de divórcio… possa ser dada uma prevalência lato sensu à questão da residência da criança ser, nomeadamente, alternada entre ambos os progenitores, que por experiência própria me parece um passo muito importante para o seu desenvolvimento, a presença num sentido verdadeiro e filosófico dos dois pais que, não obstante, de diversos controversos episódios que se assistem nos media, que passa pela violência à exploração infantil. Parece ser um importante parecer no sentido da otimização do princípio da igualdade.
4. Enquadramento Histórico e Constitucional
A história do direito fundamental da proteção à infância, consubstancia-se, fundamentalmente, aquando da proclamação da I República, por via da Lei de Proteção da Infância (doravante LPI) que assinala a preocupação republicana, que por via do Decreto de 1 de Janeiro de 1911, se prosseguiu reverter as dificuldades sociais que o povo português sofria dos meandros monárquicos, através de medidas que atenuassem as condições de pobreza e de exclusão que se fazia sentir no Portugal de então. A dramática situação social que se vivia, fez com que o “novo” Poder político, promovesse logo nos inícios do seu exercício um conjunto de medidas que mitigassem o drama social que se vivia, de então. Promoveu a infância, para que fosse passível de um tratamento prioritário. Veja-se que, a ideologia republicana é desde sempre impregnada de princípios de natureza social. Adquire-se uma inspiração, no princípio da consignação da fraternidade, como brocado da Revolução Francesa, que na esfera do ideal republicado se traduziria numa solidariedade.
Esta nova realidade, de proteção à infância, verifica-se desde logo no Título II da Constituição de 21 de Agosto de 1911 que consagra no artigo 3º, nos números 10º, 11º e 12º em virtude do ensino que a República pretendia implementar como medida de garantir o desenvolvimento das crianças e jovens, por via do Saber, que como bem se sabe é um dos pilares fundamentais para a fundação do Estado de Direito Democrático e Social.
Parece apropriado a transcrição da descrição de infância que se vivia na época bem como a ligação que se faz à atualidade e ao princípio da igualdade:
“Infância, à sombra da qual se deveriam conformar as políticas futuras, quer em sede tutelar e de educação quer no concernente à gestão da penalidade, quando em presença de menores delinquentes. Esta lei, segundo o autor do texto preambular, «[…] visa à educação, à purificação, ao aproveitamento da criança – a base das sociedades, a matéria-prima com que hão-de construir-se e cimentar-se os alicerces, erguer-se a arquitectura desempenada duma nacionalidade nova, solidamente organizada» (in preâmbulo), procurando-se a recuperação do tempo desperdiçado, já que «[…] a assistência, a protecção à infância não passou, até esta data, das aspirações melancólicas dos legisladores do futuro!» (idem). Proteger e regenerar, eis as palavras de ordem da nova traça; reconhecendo-se a necessidade da prevenção – da criança sai o homem, como da aurora sai o dia pleno - idem)), proclamava o Legislador -, advertindo para que, por vezes, em várias normas, o coração substitui a inteligência (idem). As questões da imputabilidade mereceram também redobrada atenção: considerando que para a implementação da parte meramente curativa do projecto era necessário alterar a idade de imputabilidade, consagrou-se que «[…] foi preciso ferir a legislação penal, interdizendo-a de julgamento de menores até aos dezasseis anos – e até aos dezasseis, enquanto não for possível, economicamente, interdizê-la mesmo aos dezoito. Os menores de dezasseis anos não devem, legitimamente, ser considerados criminosos vulgares [...]», sendo indispensável exercer a acção judicial com natureza preventiva - «[…] mais com o carácter de quem previne, tutelando, guiando, educando, do que de quem castiga actos resultantes da irreflexão da idade, e principalmente do meio, da atmosfera saturada de venenos que esses pequenos irresponsáveis respiram» (idem). (Este trecho adquire maior sentido quando confrontado com algumas tendências que, de vez em quando, ensombram os discursos político e mediático no nosso país.) Na doutrina exposta, a discursividade legislativa e, de modo particular, o intradiscurso, definem como linhas reitoras proteger a fraqueza, preparar e retemperar caracteres e procurar e fomentar energias; constata-se, portanto, o enquadramento dos enunciados legais, consistentes em um triângulo de valores, com fortes vestígios positivistas e utilitaristas: proteger, regenerar, tornar útil. Como acentuava Oliveira (1920), a lei sublinhava a perspectiva preventiva, e «o conceito delinquência modificou-se num sentido subjectivo, mais amplo, abrangendo os pré-delinquentes (vadios, ociosos, libertinos, com tendências viciosas, etc.» (p.VIII). Contra a desmoralização e a ruptura de valores, a LPI consignava, de harmonia com a interpretação daquele autor, o combate contra as más influências, destacando como factores potenciadores «[…] o mau teatro, o mau cinematógrafo, a literatura pornográfica e sediciosa e outros portadores de excitantes nocivos a actuar em populações já atingidas por uma grande depressão» (p. XI). Por força de plúrimas circunstâncias, que designaríamos circunstâncias de risco, muitas crianças eram órfãos de pais que ainda vivem, como escrevera J. Simon; pelo que o Padre Oliveira aconselhava: deixemos os pais e cuidemos dos filhos.
Numa racionalidade que será (ainda) hoje da maior actualidade, - como tal, recomendável aos decisores, especialmente em tempos de crise - referia-se a componente financeira – a tradicional desculpa para o imobilismo e para os reduzidos suportes técnicos dos programas -, plasmando-se: «E os sacrifícios do Tesouro, parafraseando uma afirmação de Jules Simon, relativamente às despesas a fazer pelo Estado, para a protecção às crianças, na França, «ser-lhe-ão compensadas por um largo interesse, porque reverterão a seu favor em vidas humanas» (in exórdio).”
Cumpre também referir que a Constituição de 1911 é que consagra formalmente a proteção da infância através das medidas legislativo-constitucionais dos direitos e garantias que eram consagrados naquele Texto Fundamental em relação à promoção da educação das crianças e jovens. Visto que, somente a Constituição de 4 de Abril de 1838, apenas concedia a instrução primária e gratuita: nos termos do seu artigo 28º, observe-se, estes direitos apenas eram concedidos aos cidadãos, que afasta desde logo a prossecução do princípio da igualdade.
A Constituição de 1933 por sua vez, que permite observar o Estado garantístico, quanto à liberdade de ensino, também era nos termos do seu artigo 3º, no nº 2 realça-se que o Estado define a criança na esteira da família, em que a plenitude dos direitos apenas seriam dirigidos aos filhos legítimos. Transpondo uma clara violação do princípio da igualdade que como vimos em sede de Direito Civil, a afiliação pode ser efetivada por via de algumas das disposições que compõem aquele Código.
5. Conclusão
A prossecução deste relatório em tempo record de um dia, por via da dificuldade de me inspirar devidamente no desenlace deste tema que considero apaixonante. É de assaz complexidade, por via da minha ainda ténue experiência académica.
Procurei desvendar um vasto leque de assuntos que me permitiram desvendar, o que considero a ponta do véu, no que toca a este direito fundamental tão importante para a sociedade, a proteção da infância, que, considero, que somente à luz do princípio da igualdade é que possibilitou uma investigação superficial, sob pena de me enveredar em assuntos de tal complexidade que não permitia terminar este tema, no prazo determinado.
Este tema foi escolhido em virtude do que se vive na sociedade atual e a vastidão de imagens e notícias que nos chegam, seja no mundo, seja no país. Realidades que põe à prova o coração da sociedade e a resposta que esta procura dar em virtude da humanidade, em virtude das crianças. Como pai, custa-me ver tamanhas atrocidades cometidas contra crianças, as situações desiguais, desumanas e arbitrárias conforme se observa, mesmo em Portugal, que inviabiliza que o meu filho possa viver comigo, fazendo ius ao mencionado relativamente às responsabilidades parentais e o direito que as crianças deveriam auferir numa perspetiva igualitária do seu direito e desenvolvimento. Como futuro jurista, este relatório permite abrir um leque de ideias que procurarei deslindar soluções que juridicamente possam fazer face aos demais assuntos que as próprias crianças tanto reclamam. Será este o tempo de as ouvir?
Oeiras, 11 de Dezembro de 2019
Bruno Miguel Salgueiro Calçoa
Referências Bibliográficas
Gouveia, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional - I “Teoria do Direito Constitucional” – 6ª Edição – Novembro de 2016 – Almedina
Gouveia, Jorge Bacelar, Manual de Direito Constitucional - II “Direito Constitucional Português” – 6ª Edição – Novembro de 2016 – Almedina
Pinto, Carlos Alberto Da Mota, Teoria Geral do Direito Civil – 4ª edição – 2012 – Coimbra Editora
Miranda, Jorge, As Constituições Portuguesas de 1822 ao Testo actual da Constituição – 4ª edição – Novembro de 1997 – Livraria PETRONY, LDA
Matos, Samilly Araujo Ribeiro “IDADE: FATOR DE DESIGUALDADE OU DE DIREITO?
A CRIANÇA, O ADOLESCENTE E O PRIVILÉGIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL”
Legislação
Constituição da República Portuguesa e Legislação Complementar
Código Civil
Código Penal
Gouveia, Jorge Bacelar, Textos Fundamentais de Direito Internacional Público – 4ª edição – Almedina
Convenção sobre os Direitos das Crianças
Edição Comemorativa da Lei de Protecção da Infância, 27 de Maio de 1911
Links
http://www.seg-social.pt/documents/10152/13588/lei_proteccao_infancia/955222e6-dcab-4fe1-b0f5-82d0c9bc40e9
https://www.unicef.pt/
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